12.8.10



O relógio vai bater meia noite logo e ela, apesar de estar de pijama já há alguns instantes, insiste em pensar que não é hora de dormir. Ela me conta que tem saudades de tomar vinho orgânico. Seco. Eu tento, em vão, avisá-la que não poderia ter vinho orgânico a esta hora, neste dia. Ela me confessa que este pijama é o seu preferido. Eu tento entender, sem muito refletir. Afinal, para alguém incapaz de repetir um pijama duas noites seguidas, essa confissão pouco importa. Ela me diz que queria amar loucamente, queria se perder e se encontrar em olhares sinceros, em abraços cheios. Eu digo a ela que nada me faria mais feliz do que vê-la se derramando. Ela me conta segredos de meninas, faz confissões de doçura tortuosa. Eu escuto, cada detalhe, e fico a entoar pedidos secretos. Ela me conta detalhes impronunciáveis, me segreda  profundezas de questionável razão. Ela fala de coisas que nem a sua namorada sabe. Ela discorre sobre silêncios, sobre falas. Eu fico a espreitá-la. Não tenho muito a dizer neste momento. Ela fica a tocar o pé, ligeiramente dolorido. Conto a ela que nossos pés realmente podem padecer um pouco, mas que não há nada mais belo que um failli-assemblé. Ela emenda a história, repetindo que acha interessantíssimo ter dois homens naquela sua turma tão cheia de estrogênio. Concordamos que eles dançam muito bem, sem leveza, sem ponta, sem saias rosas. Ela boceja, de leve. Mas continua a desfilar afirmações sem sentido. Lembra-se de um texto que eu escrevi e que jamais divulguei. Lembra-se daquela transformação em lua cheia, de dissoluções na cadeira da cozinha, de vontades trôpegas. Ela está impossível esta noite -- não para um segundo essa menina! Eu não quero macular toda essa espontaneidade que só ela tem, mas também não quero deixá-la me consumir. E é simplesmente por isso que irei recostar-me agora. Espero que ela não se rebele e venha junto para os braços de Morfeu. Ela diz que vem, mas não sem antes que eu explique as razões do último texto. Dou-lhe um beijo na testa e digo que não posso...agora não. Conto-lhe que que foi algo que transbordou. Apenas. Digo-lhe que não se importe com isso, afinal, existem coisas que são só minhas, e que fogem, inclusive, à ela. Ela sorri desentendida e me diz boa noite. Afirma, entretanto, que apenas poderá dormir após uma última afirmação:  Diz que ficará muito feliz se a mim for concedido um vinho tinto. Seco. Como o que ela gosta. E todo o restante do pacote. Completo. Eu sorrio leve e, agora, posso dormir.         

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