31.8.10



A primeira vez que me apaixonei achei que o mundo pudesse parar de girar pelos meus sentimentos. Nada mais óbvio do que aquele amor. Ele lia nos meus olhos que nada mais fazia sentido a não ser por ele; e sabia, em seu íntimo, que nada jamais se concretizaria. Como eu sei disso? Simples: não só porque tínhamos um  amigo em comum (que era mais amigo meu do que dele), mas também porque eu tinha pouca idade, mas não pouco entendimento. Eu jamais li tanta Filosofia na vida! Hoje tenho a felicidade de saber que nada aconteceu -- não apenas porque era certo que eu me daria muito mal, mas também porque macularia todos os meus sentimentos posteriores. 

Ele nunca soube que sou grata por ele ter resistido a qualquer possibilidade e que, ao mesmo tempo, sou grata por saber que fui faíscas de encanto. Essa história toda, cheia de detalhes hoje irônicos, marcou de forma interessante. Eu discutia assuntos de adultos com uma capacidade incrível, lia tratados sobre temas que me fugiam qualquer entendimento. Passava tempo a divagar sobre profundezas que não concerniam à minha idade e passava horas a lamentar sobre a data impressa na minha carteira de identidade. Para tornar a situação ainda mais inusitada, os meus pares começaram a entender que o objeto da minha afeição era outro...aquele que não aceitava que eu gostasse do seu amigo. Ele me dizia para olhar para os lados, criou a famigerada "lista dos 5", tentou arrumar nomes que fossem mais compatíveis comigo, repudiava o meu afeto de todas as formas...dizia que era uma cisma, apenas.......mas nada disso ajudou muito. Enquanto foi tempo de amar o meu primeiro amor, eu o amei. Da forma mais platônica possível, mais intensa, mais devota.          

Hoje retomei essas lembranças mais do que antigas por uma razão simples: naquele tempo eu queria muito que as coisas acontecessem, eu sabia onde encontrá-lo, sabia o que dizer, não tinha medo de nada nem de ninguém. Hoje eu não me entrego mais a tais devaneios. Inclusive, hoje eu me encontro muito feliz por saber que praticamente todo domingo é dia de flores...vou montar um jardim belíssimo com todas essas flores, com toda essa promessa de amor real. Daquela primeira paixão guardo algumas lições, uma repulsa pela Filosofia e a certeza de que nesses últimos 12 anos e 340 dias eu fiz nada mais do que viver intensamente. Eu explorei o mundo e todas as possibilidades de existência que me pareceram boas. E hoje posso, facilmente, dizer que espero, verdadeiramente, que esse jardim ora por montar seja dividido com aquele que decidiu me encantar e que eu decidi admirar. 

16.8.10



Da infância guardo, por vezes, uma nostalgia distante. Por outras, sentimentos que por ora não cabem ser expressos. Mas desta noite quero guardar a felicidade de relembrar o "pão de jacaré". 
Quando muito pequena ficava horas a dançar com as primas mais velhas (com direito a competições de olhos fechados), passava tempo a imaginar o nome dos 10 filhos que eu certamente teria (embora não conseguisse jamais nomear todos eles -- ainda bem, arriscaria dizer!) e tentava convencer uma prima mais nova que deveríamos nos mudar para a Hungria. Eu tinha uns 7, talvez 8 anos; K. tinha 5 ou 6. Afinal, por que não nos mudaríamos para a Hungria??

Mas às vezes também fazíamos coisas de crianças (talvez) normais: brincávamos de pão de jacaré. Era uma brincadeira simples. E restrita. De todas as primas, apenas nós 3 participávamos. Nas nossas tardes A. e eu éramos gêmeas e K. nossa mãe. Filhas rebeldes, sempre comíamos escondido todo o pão de jacaré (imaginário) que tinha na casa; depois ficávamos com dor de barriga e apanhávamos de nossa brava mãe. E o jogo se repetia..

Esta noite fui feita lembranças de pão de jacaré, lembranças de um tempo lúdico e pueril. Esta noite fiquei feliz em ganhar um pão no formato de um jacaré. Que iguaria! Uma rosca de jacaré, com olhinhos e tudo mais! 

K. vai se casar no próximo mês (sim, a este ponto parece óbvio que jamais moraríamos na Hungria); A., como boa irmã que é, se enveredou por caminhos distantes para ajudar a entregar convites do casamento da pequena irmã. E em algum local (mágico) achou uma rosca com o formato de um jacaré por vender. Não hesitou: comprou o pão que, em verdade, até hoje jamais havíamos provado. 

Existem momentos, memórias e risos que são impagáveis. Fico a me perguntar como uma brincadeira tão distante no tempo e tão despretenciosa poderia me deixar tão feliz por se fazer memória nesta noite. Acho que o que resta dizer é, simplesmente, que sou eternamente grata pela amizade que sempre tivemos -- e que para sempre manteremos. Amo vocês!!       
   

15.8.10



Não quero nada nem ninguém para me dizer o que fazer, me dizer o que sentir. Não quero nada nem ninguém para me contornar as inexatidoes, para me controlar o alvorecer. Não quero nada nem ninguém para me limitar. Não quero nada nem ninguém querendo saber quando vou chegar (e como foi). Não quero nada nem ninguém para me restringir. Simplesmente porque não tenho limites, porque não quero ninguém para me fazer bailarina de caixinha de música. 
Não quero nada nem ninguém que me tire a liberdade de respirar segundo a minha vontade. 
Não quero nada nem ninguém para me tolher palavras, cortar sentidos.
Não quero nada nem ninguém que me espere curar-lhe as inexatidões, guardar-lhe os passos. Não, jamais. Não nasci com a possibilidade de ser limitada e tampouco de limitar os demais. 
Eu não quero esta limitação limitante. Nao sou dada a esta vidinha previsível das 9, não me enquadro nestes roteiros repulsivos.   
Não quero viver de sonhos; eu quero viver de um ar que transcende qualquer entendimento. Quero viver de realização de planos, da concretização das mais Perfeitas vontades. Quero ser levada a lugares cada vez mais altos, mais distantes de mim mesma. Quero chegar a experimentar sabores jamais conhecidos. Quero a completude, quero a leveza. Quero Tudo, ao passo em que quero apenas afastar-me de tudo aquilo que é tão proceloso.

12.8.10



O relógio vai bater meia noite logo e ela, apesar de estar de pijama já há alguns instantes, insiste em pensar que não é hora de dormir. Ela me conta que tem saudades de tomar vinho orgânico. Seco. Eu tento, em vão, avisá-la que não poderia ter vinho orgânico a esta hora, neste dia. Ela me confessa que este pijama é o seu preferido. Eu tento entender, sem muito refletir. Afinal, para alguém incapaz de repetir um pijama duas noites seguidas, essa confissão pouco importa. Ela me diz que queria amar loucamente, queria se perder e se encontrar em olhares sinceros, em abraços cheios. Eu digo a ela que nada me faria mais feliz do que vê-la se derramando. Ela me conta segredos de meninas, faz confissões de doçura tortuosa. Eu escuto, cada detalhe, e fico a entoar pedidos secretos. Ela me conta detalhes impronunciáveis, me segreda  profundezas de questionável razão. Ela fala de coisas que nem a sua namorada sabe. Ela discorre sobre silêncios, sobre falas. Eu fico a espreitá-la. Não tenho muito a dizer neste momento. Ela fica a tocar o pé, ligeiramente dolorido. Conto a ela que nossos pés realmente podem padecer um pouco, mas que não há nada mais belo que um failli-assemblé. Ela emenda a história, repetindo que acha interessantíssimo ter dois homens naquela sua turma tão cheia de estrogênio. Concordamos que eles dançam muito bem, sem leveza, sem ponta, sem saias rosas. Ela boceja, de leve. Mas continua a desfilar afirmações sem sentido. Lembra-se de um texto que eu escrevi e que jamais divulguei. Lembra-se daquela transformação em lua cheia, de dissoluções na cadeira da cozinha, de vontades trôpegas. Ela está impossível esta noite -- não para um segundo essa menina! Eu não quero macular toda essa espontaneidade que só ela tem, mas também não quero deixá-la me consumir. E é simplesmente por isso que irei recostar-me agora. Espero que ela não se rebele e venha junto para os braços de Morfeu. Ela diz que vem, mas não sem antes que eu explique as razões do último texto. Dou-lhe um beijo na testa e digo que não posso...agora não. Conto-lhe que que foi algo que transbordou. Apenas. Digo-lhe que não se importe com isso, afinal, existem coisas que são só minhas, e que fogem, inclusive, à ela. Ela sorri desentendida e me diz boa noite. Afirma, entretanto, que apenas poderá dormir após uma última afirmação:  Diz que ficará muito feliz se a mim for concedido um vinho tinto. Seco. Como o que ela gosta. E todo o restante do pacote. Completo. Eu sorrio leve e, agora, posso dormir.