23.2.14

Salvação e textos.


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Recentemente, ela confidenciou que estava preocupada com o paradeiro das suas palavras escritas. Ela queria entender onde estavam os seus frequentes textos. Isso após, deliberadamente, ter resolvido que era hora de voltar a redigi-los. 

Abro parênteses para transcrever seus termos: Nada mais especial do que sentar-se a uma mesa diversa e ouvir, no seu âmago, o som das palavras que querem ser vida. Sim, parece que a fase do silêncio é terminada, minha cara! Fecho parênteses. 

Ela acredita que as mulheres esperam ser salvas. Com essa concepção, ela já me explicou diversas vezes o sucesso dos príncipes de contos de fadas, a importância dos valentões. Ela argumenta que, mesmo inconscientemente, o que uma mulher quer em um relacionamento é ser salva. Eu já lhe disse que isso não pode ser tão verdadeiro. Nem universal. Mas não importa. Vez por outra tenho que ouvi-la, novamente, com essa teoria. 

Há pouco, em uma fala rápida, marcada por uma quantidade de energia que sequer sei de onde pode ter vindo, ela me contou que acredita que possui a prova da busca incessante da alma feminina pela salvação -- a sua salvação provida por um homem. 

Ela relatou que, um dia, um homem tentou ajudá-la. Era um dia fatídico, o pior dos piores. Naquele dia ela não podia compreender absolutamente nada, mas ele esteve ali. Ao seu lado. E, desde então, parece que as coisas mudaram dentro dela. Vez por outra, pensa na salvação que ele lhe dispensou  -- e isso faz com que tudo tenha sentido. Cria uma razão no coração dela. Uma explicação para a sua teoria de salvação. E faz com que tudo fique mais simples, mais categorizado. 

Eu confesso que não sei ao certo o que a levou a pensar essas coisas. Também não compreendo a relevância de tais pensamentos. Desconfio, ainda, que nenhuma parte disso faz sentido. Mas, esta noite, reservei-me ao direito de apenas ouvi-la falando. Aquela fala rápida, vigorosa e precisa. 

Gosto quando ela é efusiva, quando sabe onde vai, o que faz. Gosto quando ela tenta me provar que tudo está a fazer sentido. Gosto quando ela está saltitante por aí a desfilar teorias -- mesmo as mais obscenamente absurdas. E é por tudo isso que celebrei com ela a volta de suas palavras, o retorno de seus textos. Mesmo que ainda seja algo incipiente e de duvidosa precisão. Pouco importa. Essa noite, nada que vá além da (pueril) felicidade dela importa.           



Dia 10 de fevereiro 2014



Estranho. 






Antes daquele dia eu não me lembro de ter sentido as pernas bambas. Mas, desde então, isso ocorre com alguma frequência. 


12.1.14

A liberdade e o caminho.





A caminhada desta noite me fez perceber que eu conecto a liberdade com os passos. Refiro-me aqui especificamente aos passos certeiros, firmes, mas sem horários, sem medidas determinadas. Trata-se daquele caminhar despretensioso, aquele que faço com uma intensidade só minha, que traço sozinha. 

Há muito tempo estou cônscia de que gosto de caminhar, de poder resolver minhas coisas andando, de fazer tudo o que preciso sem ter que usar outros meios que não os passos -- os meus passos. Mas geralmente eu me atenho aos detalhes cronometrados quando estou a caminhar para as minhas atividades cotidianas. Sei precisamente quanto tempo levo de um ponto ao outro, a intensidade que as passadas devem ter. Quando eu estudava em Madison (WI), por exemplo, eu sabia exatamente o número de passos do meu prédio até a faculdade. E os minutos que elas me tomavam, por óbvio.  

A época em que eu fiz as mais constantes e intensas caminhadas foi quando estava na Itália. Eram 7 km por dia, em uma passada bem firme e determinada. Eu tinha hora para sair de casa, tempo praticamente exato para chegar ao destino e um sapato reservado aos longos passos. Naquele tempo eu tinha uma companheira incrível para as caminhadas diárias. Discutíamos um mundo de temas, ríamos do mesmo senhor sem limites a nos paquerar diariamente no nosso caminho -- apesar de o ignorarmos permanentemente, e nos atentávamos a algumas pessoas que estavam sempre no nosso trajeto. Dia após dia. Mas os nossos passos, como disse, mantinham uma velocidade marcada, uma intensidade ritmada. Até um certo ponto, o ponto da pausa para brincar com o cachorro fofo que morava em um estabelecimento em que passávamos na porta. Um cachorro lindo, que nos fazia ficar triste por vê-lo tão só, e que me deixava com saudades do meu Yuki, que estava do outro lado do oceano.  


                            Era com ele que sempre parávamos para brincar. 

Os momentos em que estou movimentando, seguindo os meus próprios trajetos e respeitando tão somente o meu ritmo, marcam em minha alma uma realização quase palpável. É um contentamento. E é exatamente por tudo isso que tenho certeza que devo manter (e intensificar) os passos que me levam aos locais em que quero chegar e que me arrebatam com uma sensação de felicidade e de liberdade.

Sobre a dor e a não escrita em 2013.




No ano de 2013 não escrevi praticamente nada. Não no blog, não em folhas pessoais, não em cartas. Na verdade, os atos de refletir e de escrever sempre estiveram intimamente ligados na minha vida. Eu sempre consegui pensar melhor, expressar meus sentimentos e entendê-los por meio das minhas palavras escritas. Desde novinha, quando queria compreender o que se passava no mundo ou no meu interior, eu pagava uma folha e escrevia. E tenho um amontoado de páginas e mais páginas com estes registros guardados. Palavras que formam relatos e histórias felizes, tristes, poéticas, com sentido, aleatórias... 

Ainda não sei se quero falar muito, se quero analisar muito. Ao refletir muito sobre as coisas que se passaram e que transformaram a minha vida e minhas concepções de uma forma drástica e permanente, sinto dor. Uma dor que não tem limites e que não se explica. E não sei lidar com tanta dor. Sinto muito! 

Talvez tenha sido para tentar evitar lidar com essa dor que eu não tenha escrito no ano que se passou. Talvez tenha sido para tentar fazer ela ir embora, para que nada tivesse acontecido. Uma vez que você escreve ou diz o que aconteceu ou o que sente, parece que tudo se torna mais real. E a realidade andou sendo extremamente cruel (to say the least!).  

Porém, estes dias fiquei a estranhar a ausência dos meus textos. Como o que eu sinto e penso sempre costuma ser marcado por palavras escritas, fiquei com a sensação de que o ano que se passou foi um hiato. Não que eu não tenha sentido ou pensado nada. Na verdade, eu nunca senti e refleti tanto na minha existência! 

A ausência de registros parece ser quase uma metáfora da minha vida no período: um vazio. Um vazio de palavras, um vazio de cores, um vazio dele. O ano que se passou foi infinitamente doloroso. E tenho certeza de que esta dor, a dor de saber que meu irmão está no céu e não mais aqui pertinho de nós, permanecerá. Mas o meu vazio de palavras não deve perdurar. Sei que hiatos são coisas que ele jamais quis para mim ou para aqueles que ele ama de forma sempiterna. E sei que palavras, reflexões, sonhos, atos e felicidade são cruciais. E é por tudo isso que eu quero ser autora das minhas palavras, dos meus sentimentos, do meu mundo. Para sempre.