“Cacá, o que você vai ser quando crescer?” “Carla, você vai fazer Vestibular para que?” “Carlotinha, o que você vai fazer quando formar?” Futura juíza!” “Brava!” “Ohhh! Foi bem na prova de Física? Dará uma ótima médica. Sim!” “Linda! Seria certamente modelo famosa na Indonésia.” “Que medo de você se casar e virar dona de casa.” “Mmm...trabalhar em Escola é tão complicado.” “Ohh! Que bonitinha! Que preciosa! Gosta mesmo de Direito Internacional.” “Porque você é minha melhor aluna.” “Porque se não continuar firme perderá sua poesia.” “Porque quem escolhe isso o faz porque não tem coragem de encarar a sua vontade real”. “Ah! Qualquer coisa que escolher será boa para você” “Porque olho para você e vejo uma professora ai dentro. Mas sim, está muito bem.” “Ah! Será aeromoça.” “Porque é por ver pessoas como vocês duas que posso ficar tranqüilo e acreditar que o futuro será melhor.”
Médica. Pediatra para dividir um consultório com as primas que nasceram antes. Mas a resposta também poderia ser modelo. Ou cantriz (sim, cantora e atriz). Ou então professora. E o fui. Fui professora de escolinha em Guilherme de Almeida. Sim, menina brava, bravinha. E também bravissima. Mas isso não me faz juíza. Não mesmo. Modelo na Indonésia me parece mesmo tentador. A resposta clássica ao “Que gracinha! Que lindinha!” não costuma ser outra a “Gosto de Direito Internacional; e do Trabalho; e de Direitos Humanos”. Gosto?! Aeromoça hoje é comissária de bordo. E acreditar em nós duas para mudar o futuro talvez seja depositar mais fé em nós do que às vezes temos em nós mesmas. Já poesia é algo que queria transpirar permanentemente. E inspirar. Mas não quero me detalhar nestas linhas passadas, nestas imagens sem datas concretas. Não, não quero.
O que me retém acordada neste instante não é meu paper sobre a violação aos Direitos Humanos dentro do Direito Norte Americano. Não é o grito de socorro que transcende as linhas que insisto em redigir. O que me mantém acordada nesta hora da madrugada é a vontade de gritar para todas estas vozes o que jamais falei. Ou falei em entrelinhas discretas...
Sim, porque talvez eu tenha tido muito medo. E porque talvez eu traga mesmo dentro de mim uma poeta que jamais se extravasou apenas porque jamais teve força para existir. E o que me vejo querer nesta hora da noite não são os A`s que almejo há tanto tempo; não é a proficiência em alguma área jurídica ou um currículo cheio de informações relevantes. Não. Não é nada disso.
O que eu almejo nesta hora da madrugada é a liberdade de gritar bem alto para o mundo inteiro que eu quero viver de brisa, de poesia, de flores e de amor. E que eu quero muito ser mãe e quero também ser mais filha do que jamais fui. Quero ser irmã com tempo para conversas e jogos de tabuleiro, quero ser prima para pular na varanda, quero ser aluna com direito a falhar, a errar. Quero ser adulta e ser bela. E ser feia, ter um pé maior que o outro e não ter medo de que falem mal de mim. E ter cabelo longo ou cabelo curto. Ter unhas comidas, ter unhas pintadas de rosa, laranja, vermelho ou um branco pueril. E quero transpirar jovialidade, mas também sabedoria. E transpirar a segurança e também a insegurança que se perpetuam nos dias de cada um e de todos nós. E quero ser grande e quero ser pequena. E quero nadar em águas profundas, em águas rasas. E dar cambalhotas na piscina, brincar de boiar. Mas de biquíni. Sem medo de parecer grande demais, de parecer boba demais. E quero ler muito, assistir filmes diversos, visitar museus, parques, tomar sorvete e abrir as janelas a cada manhã. E fechá-las ao anoitecer. E quero viajar de carro, andar a pé, contar histórias e tirar fotos. E quero ser poesia. Quero ser livre e me saber liberta. Quero carregar o mundo com minhas mãos, viajar para os locais que minha mente não se cansa de me levar. E quero ser branca e quero ser torrada pelo sol. Porque a gente às vezes quer apenas viver. Quer ser aquilo que quer ser, sem ser notas, sem ser cursos, sem ser um emaranhado de esperanças alheias. A gente às vezes quer apenas ser gente, quer ser sentimentos, quer ser vida, quer ser cores, poesia e viver na asa da borboleta que farfalha no infinito de nossa própria essência. E agora é isso que quero ser. Não quero ser nada mais que uma liberdade transmutada em verdadeira vida, em verdadeira felicidade, em verdadeiro amor e em verdadeira poesia. Minha vida é bela assim: quando guardada na poesia, na verdade destas linhas.



0 comentários:
Postar um comentário