25.5.06

Noite de quinta



Os ecos de alma não parecem ser os mesmos de outrora. Nada parece igual, na verdade. As facetas de menina, de mulher, de princesa e de obstinada não se mesclam de forma desigual. Há, nesta noite, uma identidade de essências. Há um burburinho de unidade. Talvez restasse pouco se não fossêmos únicas. [Talvez restasse nada!]

A inóspita realidade de outrora se faz fantasma no presente. Há um temor. Temor, apenas. Não há temor por tristezas, não há temor por medos. Apenas se teme o barro. E se (....) ? E se tudo que se soubesse fazer nesta vida fossem os bonecos de barro? E se jamais fosse possível transmutar certas atitudes apreendidas na nossa alma? E se sempre que tentasse tocar algo com a singeleza dos longos dedos tudo se transformasse em pálidos bonecos? E se jamais fosse possível não criá-los?

"Era como se eles só pudessem se aperfeiçoar por si mesmos, se isso fosse possível"

Talvez eu não seja ela de Clarice. Talvez eu não crie mais bonecos de barro. Talvez eu não os ame mais. Talvez eu consiga não desejar criá-los (porque no fundo todo o medo é de voltar a desejá-los incessantemente...).

"E, quando queria dizer algo que vinha fino, obscuro e liso — e isso poderia ser perigoso — ela encostava um dedo apenas, um dedo pálido, polido e transparente, um dedo trêmulo de direção."

Não tenho medo de nada nesta noite. Não temo nada há dias, vale dizer. Apenas uma coisa me inquieta neste retorno ao não temor: a possibilidade, boa e amarga, de voltar a criá-los; de voltar a desejá-los; de voltar a sê-los. Apenas isso.

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